Filme retrata trajetória do presidente brasileiro, focando na perseguição da Lava Jato
Neste domingo (19), o Festival de Cannes foi agitado pela estreia mundial do documentário “Lula”, dirigido por Oliver Stone e Rob Wilson. O filme sobre o presidente brasileiro foi ovacionado por cinco minutos na sala Agnès Varda, no Palais des Festivals. A exibição, com ingressos esgotados, fez parte da mostra de “Sessões Especiais”, fora de competição.
“Este filme é sobre uma pessoa muito especial no mundo de hoje, um líder único neste planeta”, disse Stone à imprensa. O diretor descreveu Lula como “um dos poucos líderes políticos que vieram da classe operária, alguém que lutou muito para estar onde está”.
Stone revelou sua fascinação pela trajetória do mandatário brasileiro: “Lula não leu até a sétima ou oitava série. Ele realmente lutou para fazer sua carreira”, afirmou. “Admiro profundamente este homem. Sei que muitas pessoas nas classes mais ricas o odeiam – e não creio que alguns de vocês estejam aqui para bater. Por favor, não o odeie muito, porque ele é uma alma maravilhosa. Estive com muitos líderes – e eu realmente sinto o coração dele.”
Embora o documentário cubra a ascensão de Lula desde a década de 1970 como sindicalista até sua volta à presidência, o foco principal são os anos em que ele foi alvo da operação Lava Jato. Com depoimentos de Cristiano Zanin, ex-advogado de Lula, e Walter Delgatti Neto, hacker que expôs irregularidades na operação, Stone destaca os métodos ilegais usados por Sergio Moro, o juiz responsável pela Lava Jato.
O filme também critica o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), beneficiado pela prisão e inelegibilidade de Lula – ambas posteriormente revertidas. Declarações polêmicas de Bolsonaro são revisitadas no filme, que mostra como, uma vez eleito, ele nomeou Moro como seu ministro da Justiça e Segurança Pública.
Imperialismo
Stone explora a relação de Lula com presidentes norte-americanos durante seus oito anos de mandato, período em que conviveu com George W. Bush e Barack Obama. Segundo o crítico Caio Coletti, esta parte do documentário “não deixa de ter seu interesse, mas que jamais existiria – ao menos, dentro de um corte final – caso o diretor fosse brasileiro”.
Os diretores pretendem situar Lula como um símbolo de resistência durante o avanço da extrema-direita internacional. Stone sugere a influência dos Estados Unidos tanto no golpe de 2016, que destituiu a presidenta Dilma Rousseff, quanto na perseguição a Lula, em um contexto similar ao de outros líderes sul-americanos na última década.
Conhecido por abordar o impacto do imperialismo norte-americano em seus filmes, Stone dirigiu obras como “Platoon” (1986) e “Nascido em 4 de Julho” (1989), que criticam os traumas da Guerra do Vietnã. Seu interesse pela América Latina, considerada o “quintal” dos EUA, levou Stone a realizar documentários sobre líderes como Fidel Castro e Hugo Chávez.
Vaza Jato
No documentário “Lula”, Stone dá menos ênfase aos depoimentos do presidente e foca mais nas gravações que evidenciam sua prisão injusta. Lula passou 580 dias preso por acusações infundadas. Reportagens do site The Intercept Brasil, lideradas pelo jornalista Glenn Greenwald, desmascararam a parcialidade da Lava Jato. Em 2021, o STF anulou as ações penais contra Lula.
A série jornalística Vaza Jato, destacada no documentário, revela a ingerência do Departamento de Justiça dos EUA na operação. Stone reforça que Lula foi preso para impedir sua candidatura nas eleições de 2018, nas quais era favorito, atrasando o retorno da esquerda ao poder por quatro anos.
Ainda não há previsão de estreia do documentário “Lula” no Brasil. Thierry Frémaux, delegado-geral do Festival de Cannes, afirmou que “no cinema de Oliver Stone, filmar e usar uma câmera são armas e uma forma de visitar e reescrever a história contemporânea”.
Rob Wilson, co-diretor do documentário, acrescentou: “Espero que, com esse filme, vocês vejam Lula como um ser humano – e vejam que, para todas as democracias do mundo, é possível ter um líder como Lula, eleito para governar para o povo”. Num período repleto de fake news, o filme de Stone e Wilson, já aclamado em Cannes, é um antídoto à desinformação.